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IGUAIS? EM QUÊ?

Dia desses ouvi alguém gritar exaltado: “somos todos iguais!”. Previ que a pessoa reclamava benefícios desfrutados por outro e a ela negados. Acertei! Foi fácil prever e acertar a previsão, simplesmente por saber, antecipadamente, que esse chavão é muito usado, mas nunca para reivindicar deveres que só os privilegiados da consciência praticam.

Muitos usam esse chavão, também, para provocar comoção e impressionar aos que se sentem prejudicados nos direitos, com a finalidade de liderá-los no próprio projeto político, como massa de desvalidos, de descamisados, ou de qualquer outro tipo de coitado. A frase é muito usada nesse sentido por ter um efeito quase mágico nas pessoas que estão de olho gordo naquilo que outros possuem. Para estas, o chavão soa como se escondesse um segredo cuja fórmula possibilitasse o final da fome no mundo, da brutalidade dos ignorantes e da exploração de uns sobre outros.

A rigor, porém, fora de certo contexto específico e idealístico, a frase é MENTIROSA, pois subjetivamente não traduz verdade lógica e, objetivamente ninguém é igual a ninguém em coisa alguma! Igualdade, do ponto de vista lógico e matemático, significa IDENTIDADE, de sorte que, se existe alguém igual a mim, sou eu mesmo.  Assim reza um princípio básico da Filosofia e do processo racional. Ainda verifica-se empiricamente e cientificamente que, do ponto de vista físico, material ou orgânico, os arranjos protéicos e genes se encarregaram de dar aos corpos uma estruturação particular e única.

Por outro lado, o caráter de cada um se desenvolve em situações singulares da vida que, por mais parecidas, geram interpretações particulares e personalidades individuais. Ah, sim! Podemos dizer que existem pessoas SEMELHANTES neste ou naquele aspecto, mas semelhança é diferente de igualdade. Assim, numa população, uma pessoa é gorda, careca e baixa; outra é alta, magra e cabeluda; uma é cidadã trabalhadora, religiosa e correta; outra é corrupta e safada; uma é responsável nas relações, enquanto outra é leviana e não confiável. Até os chamados gêmeos idênticos diferem em muitos aspectos, apesar de receberem a mesma alimentação, educação e oportunidades.

Interessante saber que se usa bastante esse chavão como base de proposta ideológica e sociológica, que nega a correção das interpretações psicológicas sobre o homem. E tal uso parece imitar o dos religiosos que propõem VERDADE inquestionável, tirânica e impositiva, de repúdio à autodeterminação psicológica das almas. Estes, quando dizem: “Somos todos iguais perante Deus”, o fazem em relação à justiça divina.

Se (e é bom atentar ao condicional), essa justiça fosse fiel ao princípio de equidade, de fato, e contemplasse as almas no esforço de sublimar-se e de humanizar-se, com privilégios conquistados na correspondência do aperfeiçoamento moral, a proposta religiosa seria lógica e coerente, porque ninguém poderia enganar a INTELIGÊNCIA SUPREMA com palavras de efeitos fortes, nem com encenações. Neste caso, a justiça divina seria absoluta, por ser impessoal, fazendo corresponder mérito com LEIS naturais, como a da morte, por exemplo, da qual ninguém pode escapar. Então, poderíamos dizer que somos iguais com certeza lógica.

Não se pode falar o mesmo da justiça dos homens, que se pauta por leis criadas artificialmente para favorecer interesses de grupos ideológicos e partidários influentes. Tais leis são executadas, muitas vezes, com o mesmo zelo e sentido, após julgamentos feitos até por corruptos, de modo que a equidade seja apenas ideal perseguido. 

Sabe-se que a educação cultural e ideológica produz cidadãos alienados com a disposição para realizar o destino técnico e progressista traçado pelo Estado. Contudo, por conta das DIFERENÇAS existentes entre pessoas, em qualquer regime governamental surgem dissidentes buscando a humanização das ações, com tendências mais amorosas, pacientes e inteligentes nas relações com a natureza, com outras pessoas e animais, em contraste com a MAIORIA oscilante entre a indiferença com a sorte alheia e a grosseria.

O fato é que generalizar qualidades a indivíduos pela SEMELHANÇA nos traços físicos ou comportamentais e depois de integrá-los numa categoria, seja de classe social, de postura nacional ou de raça pode ser confortável a uma busca de ORDEM numa realidade que parece caótica, mas é muito perigoso, porque se pode passar a considerá-los IGUAIS, num processo de estereotipia mental sujeita a todo tipo de preconceito. E este é útil somente aos que gostam de alienar para manipular.

 

Prof. Jorge Melchiades Carvalho Filho

Fundador do NUPEP

Membro da Academia Sorocabana de Letras

Publicado na Folha Nordestina – edição de agosto - 2011

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