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“QUANTO VALE ESTE ESCRAVO?”

Esta pergunta foi feita infinitas vezes no mercado de escravos de antigamente, quando pessoas eram vendidas e compradas às escancaras... Quem perguntava queria saber o VALOR dado pelo mercado, a alguém considerado um corpo sem alma. Isto é, o escravo era tido como mera peça de um sistema mercadológico e seu VALOR diminuía quando apresentava moléstia ou avanço de idade. Seu VALOR, evidentemente, desaparecia com o corpo sepultado após a morte, sendo esta um ligeiro transtorno nas engrenagens da produção e do consumo, facilmente resolvido com a TROCA de uma “peça” por outra.

Desde seus primórdios na Terra, o homem escraviza outros animais e os semelhantes. Caracterizada pelo destino que alguns, investidos de PODER, determinam a outros, a escravidão vitimou praticamente todos os povos da antiguidade, sujeitando principalmente prisioneiros de guerra e devedores inadimplentes... Por regra, o VALOR de um escravo sempre correspondeu com a sua capacidade de dar VANTAGEM ECONÔMICA aos que o CONTROLAVAM. Isso significa que, aqueles que atribuíam VALOR ao escravo também controlavam o seu DESTINO, pois fixavam o que devia fazer, quando, como e onde... Daí que o VALOR do escravo variava de acordo com sua força para trabalhar e o seu desempenho técnico, depois de ser treinado nas funções que lhe eram exigidas. É muito conhecida a história bíblica de José, que foi vendido como escravo pelos irmãos e chegou a auxiliar o Faraó no governo do Egito (Gênesis, 37; 1 e seguintes). Aliás, nunca deveríamos esquecer esse exemplo e outros semelhantes registrados na história, porque mostram a existência de pessoas que entregam filhos, irmãos e parentes à escravidão, por não vislumbrarem melhor DESTINO para eles.

Por outro lado, também é bom não esquecer que um dos recursos usados pelos controladores de preços, para manter pessoas na condição psicológica de escravos, foi a de impedi-los de CONHECER seu próprio VALOR ou VERDADEIRA e natural IDENTIDADE de ser. Para o DONO dos preços lucrar e dominar melhor, era importante que o escravo IGNORASSE sua verdadeira identidade e ACREDITASSE que seu VALOR residia apenas no CORPO... Basta estudarmos a escravidão dos nativos da África e do Brasil, por exemplo, para verificar a aplicação de métodos capazes de impedir o autoconhecimento e obter submissão total, como separá-los dos parentes e amigos e enviá-los para terras distantes onde, isolados e enfraquecidos moralmente, eram até batizados com NOMES diferentes. Tais métodos tinham o mérito de fazer o escravo ESQUECER o respeito conquistado na comunidade onde nasceu, e os laços de amor e de amizade que o fortaleciam nos rituais e práticas coletivas, que lembravam seu VALOR FUNDAMENTAL e dos antepassados, considerados vivos e presentes após a morte, com seus exemplares códigos de honra e de dignidade ética.

É claro que sempre houve senhores IGNORANTES e incapazes de incorporar métodos mais sutis de dominação para levar mais VANTAGENS econômicas com a escravidão. Maltratavam seus escravos, que reagiam se rebelando, adoecendo e morrendo... Os donos mais espertos, porém, dispensaram o chicote, as algemas e as correntes visíveis e ofereciam MOTIVAÇÃO para o escravo obter ganhos e a carta de alforria, entendida como a “libertação”. Espertos administradores incorporaram mais valores ao patrimônio, permitindo que escravos tivessem descanso, lazer e divertimento, cuidados de saúde e moradia familiar como INCENTIVO para a PROCRIAÇÃO. Esse tipo de “dono” aperfeiçoou tanto seus métodos que, por via da Inglaterra, passou a forçar países escravagistas, como o Brasil, a “libertar escravos” em favor da PRODUÇÃO industrial e da abertura do mercado de consumo.

A esta altura do texto imagino o amigo capitão João Brotas perguntando: “Mas, será que a escravidão não acabou?” Então eu responderia: “Meu amigo, você já imaginou como seria viver numa sociedade escravagista global, na qual escravos se julgariam livres? Seria assim:

Os métodos para alienar o escravo de seu verdadeiro VALOR e IDENTIDADE de ser quase não seriam notados... Como nos primeiros tempos, o escravo voltaria a ser de todo tipo, raça ou cor, porque global. Iria viver em outros países, longe dos parentes e da família, até arranjar companhia e começar a PROCRIAR. Perseguindo o melhor preço do mercado não raciocinaria para descobrir sua VERDADEIRA IDENTIDADE, nem aprofundaria laços com parentes e amigos, em razão da “falta de tempo”, pois tem de estar sempre disputando os melhores empregos. Seu sonho maior seria o do destino imposto; o de ficar rico ou ganhar na loteria para comprar a alforria, ou aposentadoria. Assim, levado a abandonar a comunidade e a família, seguiria mutilado da ALMA RACIONAL o caminho programado pelo DONO dos preços, mas CRENTE de ser a coisa mais natural a fazer, pois tem de atender ao senhor do seu destino, que reconhece ser: “o exigente mercado de trabalho, de produção e de consumo”.

Nessa sociedade, as pessoas educariam filhos, irmãos e parentes e os entregariam à escravidão, por não vislumbrarem melhor DESTINO para eles.

Em raros momentos de lucidez esse escravo hodierno olharia no espelho, observaria seu CORPO vazio de alma envelhecendo e perguntaria desolado mais ou menos assim: “Quanto vale este escravo?”.

 

 

Prof. Jorge Melchiades Carvalho Filho

Fundador do NUPEP

Membro da Academia Sorocabana de Letras

Publicado na Folha Nordestina – edição de junho - 2012

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